Pai, estou a mercê de uma agonia mortal,
Com agravantes e súplica de atenuantes.
O culpado dessa tragédia pode ser unicamente você.
Você que quisera que eu fosse seu objetivo,
Que não me enxergou uma criança,
Mas que me fizera seu protegido incondicional.
Agrediu minha mãe por causa da minha inocente inconseqüência.
Fez até inimizades defendendo meus erros.
Embriagou-se em seus conceitos mesquinhos,
Esquecendo de moldar-me um homem.
Suas palavras amigas... De amigas tornaram-se inimigas.
Doces e irônicas a me confundir e induzir.
E quando matei o bichano da vovó,
Apoiou meus caprichos dando as costas à pobre velha.
Jurei que levaria algumas palmadas,
Entretanto, você mostrou-se impotente diante do dever.
Ah, como ansiei um corretivo seu,
Assim como meus coleguinhas recebiam de seus pais!
"Filhinho, o gato já estava demasiado velho,
Sairemos à procura de outro para sua avó".
Que decepção trouxeram-me suas palavras,
Palavras desprovidas de sentimento e amor.
Que vontade senti de ser filho do pai de Ricardo.
Levaria alguns sopapos e logo mais
Já estaria brincando, de alma limpa!
E com certeza, jamais repetiria tal feito.
O fato de matar o animal e você não me punir,
Determinado em sua posição de pai moderno e protetor demente,
Foi como transpassar meu coraçãozinho à punhalada.
Fiquei desiludido, pasmo diante do seu procedimento.
E se eu tivesse matado a vovó, o que o senhor diria?
Certamente diria:
Ah, filhinho não chore! Ainda restou sua mãe!
Patético!
Hoje estou preso;
Já perdi a conta dos meus crimes.
Nem os ratos sobrevivem na minha cela... Habituei-me a matar.
Sabe papai... Estou chorando,
Não pelo fato de estar preso, ou pelos crimes cometidos.
Choro pelo gato,
Pela surra que não recebi,
Pelo pai que não tive.
Hoje sou um rato,
Do passado prisioneiro.
Sou um gato adestrado por ti!
* POESIA INCLUSA NA ANTOLOGIA DA EDITORA KELPS - ano 2007.